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Experiência Paulista: Conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais

O inegável impacto econômico causado pelas medidas de contenção à propagação do coronavírus nesses quase três meses desde o início das medidas governamentais estão trazendo inúmeras dificuldades às empresas, especialmente àquelas que tiveram suas cadeias de fornecimento e venda atingidas, levando a graves problemas de caixa e com o adimplemento de suas obrigações.

De acordo com matéria publicada no site do Valor Econômico no dia 11/05/2020, das 408 empresas submetidas a pesquisa, 79% já tiveram redução de faturamento devido à pandemia. Prossegue a matéria afirmando que no grupo das empresas prejudicadas, 25% não tiveram faturamento algum durante a quarentena, como as dos setores de turismo, entretenimento e vestuário, e 25% tiveram queda superior a 50% na receita, como consultorias e atividades de transporte.

Frente a tais números o Governo Federal estima que a retração do PIB seja de 4,7% para o ano de 2020, ao passo que o Banco Mundial prevê queda de 5% do PIB brasileiro, e o Fundo Monetário Internacional estima que a retração seja de 5,3%.

Com o fluxo de caixa comprometido e sem previsão de melhora no curto prazo, não demorou para que os números das recuperações judiciais aumentassem no Brasil, como informou Boa Vista Serviços, utilizando informações colhidas no Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), oriunda de fóruns, varas de falência e Diários Oficiais e da Justiça dos Estados, que verificou que os pedidos de recuperação judicial deram um salto em maio, crescendo 68,6%, e as recuperações deferidas aumentaram 61,5% na comparação com abril deste ano. E de acordo com Luiz Rabi para o Valor Econômico, economista da Serasa Experian, de todos os processos de recuperação judicial iniciados, de 2005 a 2014, em condições normais da economia, 77% das empresas faliram.

Assim, em movimento de extrema lucidez o Conselho Nacional de Justiça, já no final de março de 2020, aprovou a Recomendação n.º 63 que recomenda aos Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência a adoção de medidas para a mitigação do impacto decorrente das medidas de combate à contaminação pelo novo coronavírus causador da Covid-19.

Em que pese não tratar-se de medida de observância obrigatória, a posição assumida pelo CNJ frente aos magistrados a frente das varas especializadas, traz luz à necessária preocupação com as empresas em processo de soerguimento para que estes adotem medidas céleres e necessárias a superação da crise, como: prorrogar o prazo de duração da suspensão (stay period); autorizar a devedora que esteja em fase de cumprimento do plano aprovado pelos credores a apresentar plano modificativo; e avaliar com especial cautela o deferimento de medidas de urgência, decretação de despejo por falta de pagamento e a realização de atos executivos de natureza patrimonial em desfavor de empresas e demais agentes econômicos, em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas.

No campo das iniciativas legislativas, sobressai o PL 1397/20, do deputado Hugo Leal, aprovado com o substitutivo do deputado Isnaldo Bulhões Jr., que cria regras transitórias para empresas em recuperação judicial e para tentar evitar que outras empresas em dificuldades cheguem a esse ponto, antecedente à falência.

Dentre as inovações trazidas pelo projeto de lei está o Sistema de Prevenção à Insolvência, aplicável a qualquer devedor, seja empresário individual, pessoa jurídica de direito privado, produtor rural ou profissional autônomo. Neste procedimento, o devedor que comprovar a redução de seu faturamento igual ou superior a 30% terá direito ao procedimento de negociação preventiva, que será realizado perante o juízo especializado em falência.

Ante a impossibilidade de aplicação do instituto da negociação preventiva, até que o projeto de lei seja aprovado pelo Senado e sancionado pelo Presidente da República, saiu na frente o Judiciário Paulista com a edição do Provimento CG n.º 11/2020, por meio do qual cria o projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid19.

De forma temporária, inicialmente por 120 (cento e vinte) dias, com estrutura já existente e sem qualquer ônus ao Tribunal de Justiça de São Paulo, os Juízes de Direito Renata Mota Maciel, Paulo Furtado de Oliveira Filho e Maria Rita Rebello Pinho Dias irão conduzir audiências virtuais de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19, mediante requerimento, que serão designadas para no máximo 7 (sete) dias a partir do protocolo.

Sem a pretensão de impedir os pedidos de recuperação judicial, a iniciativa da Corregedoria de Justiça e dos Magistrados paulistas demonstra a sensibilidade necessária ao Poder Judiciário de ser agente ativo na promoção dos meios alternativos de solução de conflito, de forma a atender o fim precípuo da existência da Lei de Recuperação Judicial e Falências , Lei n.º 11.101/05, e consequentemente, das Varas Especializadas, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (art. 47, da Lei n.º 11.101/05).

Cabe agora aos Tribunais de Justiça conjuntamente com os demais atores sociais desenvolver iniciativas semelhantes para contribuir com a manutenção das atividades empresariais em crise e, consequentemente, com toda a cadeia de envolvidos, diminuindo os efeitos nefastos trazidos pela pandemia da Covid-19.

Leonardo Gonoring Gonçalves Simon

Advogado e Sócio do Abreu Júdice Advogados

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